Artigo

É você

Ao longe já ouvi gritos...

Ao longe já ouvi gritos.
Em meio à vegetação avistei a junta de bois puxando o arado que ele, como num desafio razoavelmente radical, tentava segurar sem ser atingido pelas pedras e tocos do caminho.
Olhei firme em sua direção. Tinha a pele dourada pelo sol mesmo estando protegido por um enorme chapéu de palha. Um homem bonito. Alguns traços marcantes no rosto que o deixavam ainda mais lindo.
A calça remendada além de ser um indicativo de dificuldades financeiras era, acima de tudo, a informação que eu estava diante de uma pessoa simples e humilde.
Uma enorme sensação de ternura percorreu meu peito. Senti vontade de abraça-lo fortemente.  Contive-me. Apenas o cumprimentei a distância.
Antes ouvi um “ô, ô, ô”. E os animais pararam. Secou o suor da face, ergueu a cabeça, meio desconfiado retribuiu com um baixíssimo “opa”.
Na fração de segundo em que esperei para me apresentar, ouvi o barulho de águas. Depois soube que logo abaixo, em meio a mata, corria um límpido riacho. 
No final do dia mergulhei em suas águas cristalinas e meio frias. De dentro dele se tinha o privilégio de contemplar enormes árvores que avançavam seus galhos sobre o rio e as frutas atraíam, ao cair na água, grandes cardumes de peixes aproveitando o alimento.
Ali, o ar era muito puro, leve e agradável. 
Percebi, nas margens, vestígios da presença humana, mas ainda assim tudo muito preservado. Moradores da região vinham à noite tentar pescar alguns distraídos jundiás. Pelos pequenos detalhes percebe-se que havia sim a preocupação com a preservação ambiental.
Diante daquele homem de traços de lutas e trabalhos estampados no rosto eu me senti um privilegiado por viver na cidade com outra família. Deveria ser muito penoso enfrentar o dia a dia desta forma. 
Mas não vim até ele para voltar sem o objetivo estabelecido amplamente superado. Era preciso falar.
Olhei nos seus olhos claros cobertos por sobrancelhas enormes. Busquei em mim uma injeção de adrenalina e coragem.  Olhei meus pés já marcados pela terra, respirei fundo e deixei o cheiro mágico da terra lavrada adentrar a alma.
Que esquina a vida me coloca... pensei.
Senti que não conseguiria me pronunciar, meus olhos me denunciaram. Minha fragilidade inundou a lavoura. Ceguei por um momento. 
Por sorte nada precisei dizer, Deus me poupou.  Senti um abraço carinhoso enquanto escutava a frase que eu mais esperei até então:
-É você, meu filho?

Escrito por:

MOACIR LUÍS ARALDI

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