Artigo

A última lambreta

Descia pela ruazinha de terra e pedras. Magro, leve, parecia feito sob medida para a lambreta...

Descia pela ruazinha de terra e pedras. Magro, leve, parecia feito sob medida para a lambreta.
Era uma época em que os empregos do sonho, nesta região, eram de motorista do caminhão do leite ou da Kombi escolar, ou este dele, em que passava nas pequenas propriedades vacinando o gado.
Naquele dia ele chegou mais calado, estranho. Percebia-se que algo não estava bem. Após almoçar fartamente passou a comentar suas angustias. Tudo mudaria. Estavam tirando as lambretas de serviço e colocando as Turunas. 
Olhando para aquele ser falante e tão minúsculo, fiquei impressionado com a sua decepção.  Definitivamente não aceitava ficar sem “lambretear”.  
Lembro que em certa ocasião, após uma queda e com uma forte batida na cabeça, perdeu um pouco a lucidez. Naquele dia, chegou meio confuso, salgou o café ao tentar adoça-lo. Fez uma frase que eu nunca mais esqueci: “Se é no sábado, todos sabem que é domingo. ” Exatamente assim se pronunciou. Uma frase, para mim, símbolo da confusão mental que estaria passando, mas agora visivelmente não era isso. O entusiasmo surgia ao falar da velha lambreta. Algo impressionante. Não parecia ter nenhum “parafuso a menos”.
Na hora de ir embora, vi que chorava e falava que nunca mais veríamos uma lambreta. Que aproveitasse aquele dia.  
Indignado, parecia mesmo que estava para cometer o suicídio, pois disse que sairia de todas as formas de convivências sociais. Disse que iria se esconder, que não daria mais notícias. Nunca vi alguém tão indignado por tão pouco.
Fiquei com aquela imagem dele subindo pela estradinha e dizendo: Nunca mais. Aproveitem a última lambretinha. Nunca mais saberão de mim. Nunca mais, nunca mais...

Escrito por:

MOACIR LUÍS ARALDI

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