Pássaros da vida
Olhou encantado para o alto do parreiral...
Olhou encantado para o alto do parreiral.
Estava diante de uma genuína uva Isabel gaúcha tão bem amadurecida que lembravam a Nebbiolo. O clima favorável possibilitou um desenvolvimento espetacular tornando-as viçosas e lindas naquele ano. A associação com a uva italiana que tanto apreciava foi inevitável.
Fez-se adulto no tempo em que o vinho era feito de forma artesanal. Amassava-se a uva com os pés. Eram dias especiais aqueles que se ocupavam nos afazeres vinícolas.
Orgulhava-se do progresso, mas mantinha certa nostalgia em seus abundantes e fantasiosos pensamentos.
Repentinamente lembrou-se dela. Há tempos não à via. Contudo mantinha na memória o sorriso tão lindo, tão mágico e tão doce como o vinho suave. Nunca a esqueceu, nem esqueceria.
Por alguns segundos lembrou-se da forma que ela chupava a uva apertando-as nos lábios carnudos e adoráveis num gesto de gostosa provocação.
Jamais houve um adeus definitivo. Apenas deixaram que os pássaros da vida os consumisse como devoram os grãos maduros dos parreirais.
Despertou do pensamento alucinante e tratou de experimentar um cálice de vinho ali produzido.
Impossível saber quanto bebeu daquele tinto maturado. Deduz-se que foi bastante, pois no dia seguinte ele afirmava com certa convicção: Ela veio me ver. Estava encantadoramente linda como sempre.
Pode ter sido só um delírio, um sonho, uma ilusão. Mas o que importa saber a verdade se ela não faz feliz.
O que importa? Pensou.
Nada conta depois que o sonho acaba.
Lenta, mas decididamente, com o copo na mão caminhou para a pipa de Chardonnay.
Outro sabor, outra variedade, outra uva, outro vinho, mas os desejos mantidos de viajar em pensamentos felizes ao encontro da amada.
Queria uma noite longa para o tempo de felicidade, quem sabe, ser eterno.
Quem sabe...
Se a sorte ajudar.
(Interlúdios)