Um dia depois de abril
Quando recebeu o convite pelo correio eletrônico interno, nem leu...
Quando recebeu o convite pelo correio eletrônico interno, nem leu.
Não iria. Nunca gostou das festas da firma.
Antes aproveitaria o feriado e faria um programa mais a seu estilo.
Achava muito estranho que no dia seguinte destas festas, sempre aparecia alguém cabisbaixo, vindo dos recursos humanos, demitido e com a informação que as cervejas eram para todos consumirem.
Só mudou de ideia quando os amigos mostraram a ele que aquela seria uma festa diferente.
Haveria um duelo imperdível, uma atração muito especial. Acabou confirmando presença.
A chance de fazer uma grande descoberta se abriu estava ali, bem diante dele. Oportunidade imperdível pensou.
Dali para frente foi um dos grandes entusiastas na divulgação do evento e ajudou a torná-lo o maior de todos já feito na empresa.
Quando estacionou seu carro há duas quadras do local, por ter sido a única vaga que encontrou, sentiu que os objetivos de mobilização estavam amplamente atendidos.
Ao abrir a porta ouviu aquele barulho típico das grandes junções, dos grandes shows, dos grandes eventos. A música com volume exageradamente alto só aumentava esta certeza.
Adentrando o recinto acabou ficando mais ao fundo. Gostava de observar tudo. A música realmente era interessante e a iluminação apropriada tornava o ambiente festivo. Sem contar aquela algazarra típica. Ninguém entendia ninguém, todos falavam ao mesmo tempo.
Como de costume, chegou o horário marcado e nada de começar. É incrível como sempre atrasa. Finalmente, ás vinte duas horas e dezoito minutos, a luz do salão foi diminuindo até apagar por completo. Apenas um canhão iluminava o palco. Rigorosamente vestido entra o apresentador.
Figura conhecida da mídia nacional contratado para o evento.
Após os tradicionais senhoras e senhores e vocês são os melhores do mundo e outros puxa-saquismos, anuncia a atração esperada para noite.
A minha direita, com toda a sua vivência e experiência o Senhor Trabalho. Senhor “work”, brincou. O sujeito entra todo mascarado, todo cheio de razões, em uma das mãos uma CLT. Na outra, processos trabalhistas. Tinha patrocínio abundante nos calções. A grande maioria de centrais sindicais. Músculos reluzentes. Aparentando agilidade, faz alguns movimentos no palco e recebe aplausos e gritos histéricos de algumas jovens mais saidinhas.
A minha esquerda... A dengosa, a imprevisível, a indesejada: Senhora Preguiça...
Ela entra lentamente sobre fortes vaias e assobios de desaprovação. É interessante como estes ambientes transformam muitas pessoas em entusiastas.
Ele ali firme em seu propósito de fazer a grande descoberta.
Ao final do embate, que mais pareceu um massacre, se aproximou do Senhor Trabalho para tentar seu objetivo. E conseguiu. Num descuido da segurança aproximou-se e perguntou:
-Senhor Trabalho, quem foi que te inventou?
Calma e educadamente ele respondeu. Uma pena que a barulheira do ambiente não possibilitou entender a resposta.
Uma pena.
É muito azar.
(Interlúdios)